Psicólogos falam sobre Dependência afetiva
Imagine que você adquiriu um apartamento, mas em vez de tomar a iniciativa de decorar e organizá-lo de acordo com seus próprios gostos e preferências, você entrega as chaves a alguém muito querido e permite que essa pessoa tome as decisões em seu lugar.
À medida que essa pessoa assume a responsabilidade pela manutenção do imóvel, você se contenta em apenas contemplar de longe, satisfeito por não precisar sair da sua zona de conforto.
No entanto, ao fazer isso, você perdeu sua autonomia e não pode sequer mudar a posição de um vaso.
A dependência afetiva consiste exatamente nisso: dar as chaves da própria vida nas mãos do outro.
Quem é o dependente afetivo?
Um dependente afetivo não consegue visualizar sua vida sem o outro.
Não necessariamente por ter uma personalidade dependente, ao contrário: muitas são pessoas bem sucedidas financeiramente, profissionalmente, conseguem ter um entorno de bons relacionamentos sociais, porém, não concebem a vida sem o seu par afetivo.
O estudo da dependência afetiva na Psicologia
Considerando que somos seres biopsicossociais, tentarei discorrer sobre o tema considerando estes aspectos.
A Dependência afetiva é um tema que vem sendo estudado por diversos autores na psicologia, como Jorge (2014), Barros (2016), Sant'anna e Cunha (2017) e Magnani e Gouveia (2018).
Esses autores apontam que a dependência afetiva pode ser caracterizada por uma necessidade excessiva de estar em um relacionamento, mesmo que esse relacionamento não seja saudável ou benéfico para a pessoa.
Segundo Jorge (2014), a dependência afetiva pode ter origem em experiências passadas de abandono, rejeição ou falta de amor, que podem levar a pessoa a buscar desesperadamente a aprovação e a presença do outro.
Barros (2016), por sua vez, destaca que a dependência afetiva pode estar ligada a um sentimento de vazio existencial, que a pessoa tenta preencher com o outro.
Sant'anna e Cunha (2017) afirmam que a dependência afetiva pode gerar comportamentos como ciúme, controle e possessividade, que podem prejudicar o relacionamento.
Além disso, essa dependência pode fazer com que a pessoa se submeta a situações de violência e abuso emocional, pois tem medo de ficar sozinha ou de perder o outro.
Magnani e Gouveia (2018) apontam que o tratamento da dependência afetiva envolve uma compreensão das causas subjacentes
Uma possível inferência pode ser feita por meio da teoria do apego de Bowlby (1999), que aponta que a construção dos apegos na infância poderá determinar a forma como a pessoa irá se relacionar na vida adulta.
De acordo com o teórico, uma criança que não vivenciou um padrão seguro de apego nos primeiros anos de vida, possivelmente terá dificuldades de vivenciá-los na idade adulta. Porém isto também não é determinante.
Nem toda criança insegura será um adulto inseguro e vice-versa.
Outra forma de compreender a dependência estaria relacionada às incertezas que vivemos no atual momento sócio-histórico: de acordo com Bauman (1999), estamos atravessando a era da liquidez, onde tudo o que era estável e sólido "derreteu" se transformando em líquido.
As facilidades tecnológicas possibilitam a troca de parceiros em apenas um clique, ampliando as possibilidades de escolha, dificultando a formação de vínculos sólidos. Isto tende a levar os indivíduos a vivenciarem uma "segurança líquida".
Nosso cérebro não ainda não evoluiu a ponto de lidar coma rapidez vertiginosa das mudanças que ocorrem em nossa sociedade.
Neste cenário de modernidade líquida, onde os amores também são líquidos, a única certeza que se tem é a necessidade de afeto, apoio, carinho, compreensão e amor.
Mas como garantir que o outro não nos deletará de sua vida?
Não há garantias possíveis. Porém algumas pessoas acreditam que a única forma de assegurar o amor do outro é abrindo mão de si mesmo.
Este processo de "abrir mão de si mesmo", cria uma atmosfera de dependência, pois a intenção aqui pode ser a de aparentar fragilidade para que o outro sinta-se comovido com esta fraqueza e não abandone.
Por este motivos algumas pessoas choram como crianças abandonas pelos pais, quando seu parceiro afetivo tomam a iniciativa de romper o relacionamento.
O comportamento do adulto neste caso, repete o da criança com padrão de apego inseguro (Bowlby, 1999).
Como lidar
Se você é dependente afetivo:
O primeiro passo é reconhecer-se como tal (parece óbvio, mas muitas pessoas negam esta condição, o que torna o tratamento difícil);
O segundo passo é procurar ajuda terapêutica, para conhecer suas potencialidades e aprender novas formas de exercitar sua autonomia perante os desafios da vida; Uma indicação: o treino de Habilidades sociais da Terapia Comportamental pode ajudar bastante!
O terceiro passo é a prática: começar a viver parcialmente sem o parceiro. Por exemplo, diminuir o número de ligações diárias, de mensagens, começar a andar com as próprias pernas.
Se você convive com um dependente afetivo:
O primeiro passo é fazer uma análise detalhada da relação e verificar se não está alimentando esta dependência de alguma forma, mesmo das mais sutis.
O segundo passo é buscar ajuda terapêutica para trabalhar esta desvinculação gradativa: é o "desmame", afinal, as vezes é doloroso perceber que o outro está caminhando com as próprias pernas.
O terceiro passo é incentivar a independência demonstrando que é possível amar sem viver uma relação "simbiótica" ou "Orobórica" (Oroborus é uma cobra mitológica que se engole do próprio rabo)
Referências bibliográficas:
BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido. São Paulo. Martins Fontes; 1999.
BOWLBY, John. Formação e rompimento dos vínculos afetivos. São Paulo. Martins Fontes; 1999
Jorge, M. R. (2014). Dependência afetiva: causas, características e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Barros, E. D. S. (2016). Dependência afetiva: um olhar psicanalítico. Revista Psicanalítica, 33(2), 49-61.
Sant'anna, D. B., & Cunha, L. A. (2017). Dependência afetiva: uma revisão da literatura. Psicologia em Estudo, 22(1), 73-83.
Magnani, M. B. B., & Gouveia, V. V. (2018). Dependência afetiva em relacionamentos amorosos: uma revisão de literatura. Psicologia Argumento, 36(93), 155-165.
Obrigada pela leitura.
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